quinta-feira, 7 de maio de 2015

Cadê nosso termo de consentimento?

Já parou pra pensar que nós nunca pedimos pra nascer? E, que, de certa maneira, a forma mais perfeita de demonstrar o livre arbítrio, se opondo ao nascer desavisado, é por meio do suicídio? O que é o suicídio afinal? Não é simplesmente o fim da vida, mas uma simbologia marcante e posta em prática de liberdade para escolhas. Na sociedade ocidental, principalmente, impregnada pelos valores religiosos, o ato de suicídio é abominado e, muitas vezes, aliado a energias negativas ou, até mesmo, diabólicas. Para o cristianismo, tirar a própria vida é considerado um crime pelo simples fato de ser um assassinato, e pelo indivíduo não ter esperado o tempo escrito por Deus, bem como a sua salvação. Consequentemente, o "pecador" deveria seguir para o tal "inferno". Devido a esse pensamento, bem como outros oriundos de outras religiões, também oponentes de tal ato, escolher entre a vida e a morte tem sido uma questão de difícil discussão. Quantas vezes já vimos a sociedade, em sua maioria, julgar e criticar atos de suicídio? Várias. A intervenção sempre se mostra necessária para a maioria: lá vão bombeiros, policiais, médicos, familiares e os curiosos de plantão. Eu sei o quão valiosa é a vida, e é por esse mesmo motivo que muitos abominam a escolha da morte, mas, voltando ao início do texto: quem pediu pra nascer? Ninguém assinou um contrato, um termo de consentimento pra ser usado neste mundo, ou, simplesmente, existir nele. Façamos, então, valer o livre arbítrio, somos escravos do mesmo e responderemos sempre pelas suas consequências, como já dizia nosso colega Sartre. Não estou fazendo uma apologia ao suicídio, por favor. Já carregamos o peso de nossas escolhas (quiçá mais pesado que o mundo sustentado por Atlas!), cabe a cada um ponderá-las. Imaginemos a seguinte cena: um pai de três filhos, arrimo da casa, mulher desempregada e sem condições de trabalhar. Familiares distantes, sem muito contato. Eis que certo dia, cansado, escolhe tirar a própria vida. Complicado? Muito. Egoísta? Possivelmente. Deixou três crianças para a mãe cuidar sozinha. Mas... não estaríamos sendo nós egoístas com ele também? Não estaríamos fazendo um julgamento equivocado e precipitado? Flash back para Sartre e livre arbítrio. Pode ser que, caso exista algo além disso tudo, ele tenha se arrependido do que cometera. No momento, contudo, ele apenas cortou uma linha que nem ele mesmo havia iniciado, uma linha que alguém iniciou por ele. Não serei hipócrita, se fosse comigo, xingaria-o por alguns dias e lamentaria sua morte. Tentaria, no entanto, compreender e respeitar sua decisão. Cada um sabe o que é melhor para própria vida, ou o que faz dela. O mesmo vale para a eutanásia e o uso de medicamentos para prolongar a vida (ou a redução dos mesmos para aliviar seu fim). Claro que quando o indivíduo não expõe claramente o seu real desejo, os procedimentos tornam-se bem mais complexos. Será uma decisão da família sobre algo que remete a eles indiretamente, mas, considerando que é a escolha sobre o outro, pelo outro, o egoísmo deveria ser abandonado e a seguinte questão deveria ser colocada em pauta: e o que é melhor para o outro? Como escolher pelo outro? Com certeza é uma responsabilidade maior do que escolher para si mesmo, e, sem dúvidas, de um peso maior do que o do mundo. A verdade em relação a tudo isso, bem como motivo desse assunto ser considerado um tabu, é que a maioria das pessoas temem a morte, como se fosse algo concreto, físico, real. Sabemos que é algo inevitável, mas seu medo não deve ser imposto como lei, não deve ser feito de regra para os outros. A morte é uma realidade diária e não abordá-la de forma coerente e discutível, é ignorar a maior certeza da humanidade (e de todos os seres vivos no geral) desde que mundo é mundo. Não podemos evitá-la, apenas adiá-la. Medicamentos, tratamentos, tecnologias foram desenvolvidas pra isso. Amenizar o sofrimento humano. Não direi que não temo o meu fim, porque isso está longe de ser uma verdade, mas prefiro vê-lo como algo simplesmente atemporal e impossível de ser sentido. Sob uma visão espiritualista, vejo a morte como um ponto vazado (pense nesse símbolo "o" das aulas de matemática), "fim" de uma fase e marco "inicial" de outra, apenas um passo na evolução da minha alma. De uma forma mais pragmática, farei uso de uma citação de Epicuro, em "Carta sobre a felicidade":
"(...) o mais terrível de todos os males, a morte, não significa nada para nós, justamente porque, quando estamos vivos, é a morte que não está presente; ao contrário, quando a morte está presente, nós é que não estamos. A morte, portanto, não é nada, nem para os vivos, nem para os mortos, já que para aqueles ela não existe, ao passo que estes não estão mais aqui."
Acho uma das análises mais incríveis que já vi sobre a tão temida morte. Só pra deixar claro, não estou banalizando-a, muito menos ignorando o sofrimento daqueles que deixam esse mundo, bem como de seus familiares. Acredito, apenas, que as pessoas seriam mais felizes e menos preocupadas se vissem-na, bem como o suicídio, sob um olhar diferente e menos maniqueísta. Visões distintas também podem proporcionar menos sofrimento e mais aceitação. Aceitação não só da vida, ou da morte, mas da escolha do outro.


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